segunda-feira, 14 de março de 2011

Carnaval de Macau, para o povo ou para a população?

ARTIGO

Ubiratan de Lemos

Voltei ao carnaval da minha terra salgada oito anos depois. Após ouvir opiniões diversas sobre como andavam as coisas por lá, pude finalmente ver de perto. A primeira impressão que tive sobre a cidade me foi passada pela aparência das ruas e prédios, é nítida a diferença. Encontrei Macau asfaltada, sem a lama aparente, sequer as casinhas destroçadas da periferia perduraram. Alvíssaras visões. Buscando enxergar além da aparência, pude verificar in loco a ampla aceitação da atual administração, a despeito do temor de alguns em se referir criticamente ao alcaide do alto-oeste, restrições quanto a democracia e a transparência não são poucas, a começar pelos questionamentos feitos pela representante do judiciário local no tocante ao volume de dinheiro destinado a promoção do carnaval 2011.

O nosso carnaval é um mega-evento, todos sabem, e adquiriu um formato que se distanciou das nossas tradições, entretanto, não sem esforço, sairei da atitude ptolomaica e tentarei compreender o que vi considerando o maior número de variáveis envolvidas no fenômeno. Impossível não conjugar carnaval com política! Os recursos públicos investidos são vultosos, a cultura do nosso povo é efervescente e carnavalesca, a economia da cidade pulsa mais forte no período momesco, há uma enorme afetividade da população do estado em relação a nossa festa, enfim há um grande impacto sócio-econômico do carnaval sobre a sociedade macauense. Conseqüentemente é do interesse de todos a discussão sobre os rumos que serão dados ao maior evento da nossa cidade.

Carnatalizar ou manter a tradição? Aparentemente excludentes, ao meu ver, as duas tendências me parecem, hoje, complementares. Do ponto de vista econômico o “São João fora de época” foi responsável pela grande visitação do folião-turista local, pessoas de todo e estado e região, principalmente jovens moveram-se à Macau para ver e ouvir as bandas do momento, que lotam parques por onde passam, gerando divisas sob a forma de aluguel de residências, consumo de alimentos e bebidas e permanência na rede hoteleira local.

Por outro lado o filho ausente que volta sempre no carnaval, não pode e não deve ser esquecido. Ainda que em menor quantidade, dado o gigantismo assumido pelo evento, graças principalmente ao retorno de mídia e os milhões gastos com atrações, foi e é o público fiel que fez e faz junto com os seus familiares o sucesso eterno do carnaval de Macau.

A valorização da cultura local tem sido o principal combustível dos grandes carnavais nacionais como o de Pernambuco e o do Rio de Janeiro. No Rio a industrialização do desfile das escolas, acabou por se tornar um prato caro à maioria da população, o que num determinado momento esvaziou o carnaval de rua, mas não tardou a ser o fato gerador do ressurgimento das bandinhas de rua, dos blocos que hoje arrastam centenas de milhares de pessoas a cada dia de carnaval: Banda de Ipanema, Cordão do Bola Preta, Cacique de Ramos entre outros resistiram bravamente e voltaram a cena do carnaval carioca. Quem sabe por um fenômeno do inconsciente coletivo, o Cordão da Fantasia cumpriu esse papel. Resistiu! E essa resistência culminou no sucesso, na beleza, na poesia, no lirismo, na música autoral, no artista local, nas famílias macauenses felizes nas ruas promovendo um reencontro absolutamente fantástico. No esteio do Cordão ouvi dos meus amigos do Jardim a boa notícia que irão re-editar o bloco em 2012, isso com certeza trará de volta muitas pessoas que não se identificam com o Axé e o Forró, ampliando nossos horizontes e diversificando nossa programação, agregando valor e charme ao nosso carnaval.

Carnaval quem faz é o povo. Benito dizia que Macau não tem povo, tem população. Talvez por que o nosso povo foi vitimado pelo êxodo provocado pela industrialização das salinas, pelo equívoco histórico do porto-ilha, pela natimorta alcanorte, temos hoje uma população local e um povo disperso mundo a fora, mas o carnaval une a todos. Gerar divisas à população e preservar a cultura do seu povo. É um grande desafio. Quem topa?

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