quinta-feira, 30 de junho de 2011

Macau

Aparício Fernandes

Nas translúcidas asas da quimera,
volto a Macau. Vejo a Rua da Frente.
A respeitabilíssima e severa
figura de meu pai está presente.

Bejo-lhe as mãos, com devoção sincera,
e sinto, num transporte comovente,
a mensagem de luz da atmosfera
brilhando na salina alvinitente.

Percorro as ruas. É de bom alvitre
não  me impressionar demasiado
com as frias cicatrizes do salitre
nas paredes austeras de um sobrado.

Meu Deus, meu Deus, é todo o meu passado
que a memória me traz, nitidamente:
as pessoas, o rio e este dobrado
que a Banda vai tocar alegremente!

Contemplo, com saudade, mil janelas
que emolduravam lindas namoradas...
o campo do Cruzeiro... as aquarelas
das garças pensativas e paradas...

As comadres sentadas nas calçadas,
os passeios em volta da pracinha,
a poesia sem par das alvoradas.
A doce amenidade da tardinha...

O Porto do Roçado, o Alagamar,
As Quatro Bocas da prostituição,
Onde o Anjo da Saudade vai lançar
Uma benevolente absorvição.

As feiras no Mercado... as procissões...
o Aterro, que a paisagem nos descerra
dos moinhos de vento... as pulsações
das artérias de sal da minha terra.

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