ARTIGO
O blog apresenta um fragmento da história econômica de Macau. Um depoimento sincero que Chaguinha de Preta escreveu em homenagens aos marítimos macauenses, aqueles homens que trabalhavam em barcos nos portos de Macau e Areia Branca. O texto era para ser lido durante a missa, no Dia de Nossa Senhora dos Navegantes - Padroeira dos Marítimos. Como o texto é longo e poderia tomar boa parte da missa, Chaguinha leu somente alguns trechos durante sua fala na liturgia.
Devido a importância do retrospecto aqui relatado, a editoria do blog Macau em Dia resolveu publicar o artigo na íntegra, contribuindo para acender a memória macauense.
Texto: Francisca das Chagas Sousa
(Chaguinha de Preta)
Hoje, véspera do dia de Nossa Senhora dos Navegantes, é um dia propício à saudade, a recordar e, só fala com propriedade disto, quem de fato vivenciou as datas religiosas em Macau e, sobretudo, a Festa da Padroeira dos Marítimos e, sendo eu, filha de um deles, do Mestre das Barcaças Miranda, Canopus, Rezi etc, Dagmar Rodrigues de Souza, devo tudo a ele, pelo que sou, tive e tenho, pelo fruto do seu trabalho e não poderia deixar de falar na noite dedicada às famílias dos marítimos, mas não estou aqui para falar apenas do meu querido e inesquecível pai, mas em nome de todos os que foram importantes em todo o contexto do trabalho marítimo nos portos de Macau (quando ainda existia) e dos do Brasil afora: quando deixavam suas famílias, em terra firme e iam para o alto mar em busca de, através dos seus labores, ganharem o pão de cada dia e mais do que isto: ajudavam no desenvolvimento econômico do País. Não era uma vida fácil, é verdade, pois, enfrentavam mares bravios, todas as intemperies da natureza como tempestades, temporais, enfim, onde só viam céu e mar; mas resistiam como heróis, afinal, estavam ali trabalhando, vejam a palavra no gerúndio: TRABALHANDO, que palavra linda derivada da palavra trabalho, trabalho que dignifica qualquer homem em qualquer país e em qualquer idioma.
Porém, na década de setenta, exatamente a partir do ano de 1974, o que era realidade, certeza, começou a virar pesadelo e, ao longo dos anos, o fracasso e o fim para tantos pais de família quando, orquestrado por um deputado federal que se dizia amigo de Macau e que ganhava as eleições com muitos votos dos macauenses e junto com outros que detinham o poder político e econômico na região de Mossoró e Areia Branca, resolveram trabalhar para acabar com o porto de Macau e, no dia 1º dia 1º de março de 1974 uma ilha artificial, construída de areia e aço, em alto mar, com aproximadamente 15 mil metros quadrados, passou a ser o porto de escoamento de todo o sal produzido no Rio Grande do Norte, realizando sua primeira operação no dia 04 de setembro de 1974. É o Terminal Salineiro de Areia Branca Luiz Fausto de Medeiros, também chamado de Porto Ilha. Na construção desse terminal foram investidos 35 milhões de dólares, o que somou tecnologia e mais dinheiro para barganhas, para a politicagem, enfim e, para os marítimos macauenses, o ocaso, para tantos que tinham as mãos calejadas do trabalho, viram suas mãos ficarem ociosas, vazias, de trabalho, de dinheiro, de saúde, de esperança, mãos que realçavam o próprio trabalho e , contrariando um trecho do poema de Carlos Drummond de Andrade, de MÃOS DADAS, quando diz:
“Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas”
Mas de mãos dadas para onde? Se o presente já não havia naquele tempo.
Como Macau é a cidade do já teve, “O Porto de Macau que desembocava no Oceano por três bocas: “o Rio Açu ou Rio Amargoso, o Rio dos Cavalos e o Rio das Conchas, sendo os dois últimos ligados por Gamboas”. Com as margens revestidas de mangue, durante muito tempo, navios de até 4 metros de calado entravam no canal, eles ficavam afastados e o sal era conduzido precariamente em veleiros de menor ou maior porte. Esse porto era tão importante que no Dicionário Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil, publicado em 1922 pelo Instituto Histórico e Geográfico do Brasil – Volume I, estão registradas mais particularidades do que as referências feitas ao porto de Natal. A inter-relação com os que aqui aportavam foi intensa, apesar de nem sempre positiva, mas trazem notícias e novidades do Rio de Janeiro, o que influenciava na moda.
A circulação da riqueza trouxe investimentos para a cidade o que se refletiu nas edificações e sobrados e nos escritórios das companhias de navegação ligadas também à comercialização do sal, denotando abastança: A Companhia Comércio e Navegação, A Companhia Nacional de Navegação Costeira, o Lloyd Brasileiro, A Companhia Paulista de Navegação Francisco Matarazzo Ltda, bem como grandes salineiros como Téofilo Câmara, Severo & Irmãos, Salinas Carielo (família de descendência italiana) e outras.
A chegada de capital financeiro da região sul favoreceu a construção de salinas com inovações tecnológicas, quando, antes, era toda artesanal e, quem viveu na metade do século XX em, Macau, alcançou as salinas na entrada de Macau, que dava um colorido lindo, motivado pelo do reflexo do sol no sal (o desenvolvimento é e foi necessário, mas quando há desenvolvimento, há também desemprego, há tambem menos oportunidades e já refletia naquela época) e o escoamento da produção passou a ser feito por navios de propriedade das empresas maiores. Surgiram novas profissões como os barcaceiros, os estivadores, mestres de pequena e grande cabotagem(f. Navegação mercante ao longo da costa e, especialmente, entre portos do mesmo país, por oposição a navegação de longo curso.),marinheiros conferentes, os práticos das barras que conduziam os navios ao ancoradouro e uma consciência de classe dos que labutavam na costa, que formaram as bases para a instalação dos sindicatos que tiveram uma ampla atuação na cidade. Aqui em Macau na década de sessenta tivemos um presidente de sindicato, um bravo lutador das causas da paróquia e de sua categoria, o saudoso e inteligentíssimo Chico Mariano, enfim, todos os profissionais que deram parte de suas vidas.
A IMPORTÂNCIA ECONÔMICA DE MACAU NESSE PERÍODO DA SUA HISTÓRIA FOI RETRATADA POR JOSÉ MAURO DE VASCONCELLOS NO SEU ROMANCE BARRO BLANCO. (1ª EDIÇÃO DE 1945).
Diante da realidade desoladora, muitos procuraram se aposentar para terem a garantia de, pelo menos, terem uma renda qualquer, mas tão ínfima que foram perdendo de vez o poder aquisitivo, os mais velhos; e o mais novas ainda alimentavam a esperança de dias melhores, mas ledo engano, a vida para os marítimos macauenses nunca mais foi a mesma. Por isso, faço referência a alguns marítimos que viveram aquela época: os que já se foram: Seu Manoel Ferreira, Severino Mourão, Zé Teô, Afonso Delmiro, Severo, Ribamar, Geraldo de Cornélio, Geraldo Prático, Dão, Dagmar Rodrigues, Dilson Torres, Jorge Caiçara, Buaca, Aristóteles de Souza, Amon Gonçalves, João Cândido, Manoel Cruz, João Elói, Benero, Manoel Bento de Souza, João Marcolino, Evandro Torres, Amaro Rodrigues, Mário Rodirgues, Arlindo Albuquerque, Josias Albuquerque, Chico do Reboque, Zé de Artur, Chico Simão, Luiz Elviro, Tico de Souza, Justino Barba, João Barba, Chico Mucunza, Manoel da Paz, Severino Marreiro, Chico Piolho, Chico Diaino, Xavier Mendonça, Afonso Sá, Geraldo Santana, João Gatinho, Manoel Cruz, Gérson Albuquerque, Finado Vicente de Higino, Chico Mariano, João da Luz, João Régio, e tantos outros; os que ainda estão vivos e uns até estão aqui, nesta noite como: Cidinho, Dadão, Pedrinho, Zé Capa, Geraldo Baltazar, Augusto Sabino, Seu Antonino, Joca Lemos, João Batista da Costa, Zé de Aristóteles, Sebastião da Maré Mansa, Del Menezes, Chiquinho Lemos, Geraldo Sabino, Damiãozinho, Zé Arinete, Raimundo Sebozinha, Enoque, Mestre Cícero da Luz, Neguinho Afonso, Manezinho de Lilita, Andrelino Cruz, Arlindo Delmiro, Cristóvão, Aldo de Leda, Tarzan, Reginaldo Ferreira, e tantos outros.
Também presentes nesta noite, que tinham o seu labor direcionado à administração da Companhia de Navegação Paulista Matarazzo, Baduléu e Seu Edson, que hoje, são uns dos que organizam a parte externa da Festa de Nossa Senhora dos Navegantes .
Hoje é noite de saudades, de recordar de fato pois, naquele tempo, o dia 14, para os filhos dos “barcaceiros” como eram chamados os homens da categoria profissional de meu pai (ele apenas exercia uma função de mestre e chefe do tráfego marítimo da Empresa Francisco Matarazzo e depois, já aposentado, na Henrique Lage), era o dia de todos preparem as suas becas, os filhos homens irem ao barbeiro, engraxarem os sapatos para, no dia ESPECIAL, dia 15, vestirem a sua melhor roupa, bem como as meninas, o seu melhor vestido. Era um dia de festa literalmente falando: religiosa e profana, missas, procissão marítima e procissão terrestre.
Que saudade me traz hoje, de quando íamos todos da minha família: mamãe e meus irmãos, alguns parentes enfim, conduzidos pelo maior Mestre marítimo que conheci: meu pai, íamos nas barcaças conduzidas por ele, que, em nossas fantasias, mas pareciam os maiores transatlânticos do mundo.
Saibam, quem é jovem hoje e os que não moravam aqui e não vivenciaram aquela época, como foi maravilhoso o trabalho marítimo e , no seu dia, falo de em nome dos familiares de todos os marítimos que contribuíam para aquele desfile de barcos, atrás ou ao lado da barca que levava a imagem de Nossa Senhora dos Navegantes, hoje, no entanto, nenhum barco grande que dê para carregá-la. As barcaças de pequena, grande e média cabotagem, que sobraram nos estaleiros, sucumbiram-se no tempo, pela ociosidade, por não terem mais serventia .
Talvez, amanhã, somente pequenos botes façam a pequena travessia pela maré, quando, antigamente, era praxe irmos até lá fora, além da Empresa Salinor, que um dia se chamou Companhia de Comércio e Navegação.
Portanto, hoje, véspera de Nossa Senhora dos Navegantes, Padroeira dos Marítimos que todos os cidadãos macauenses, que aqui ainda vivem ou que moram distantes, façamos uma reflexão sobre a nossa cidade, sobre todos os cidadãos, e abençoados e fortalecidos por Nossa Senhora dos Navegantes, ajudemos às famílias dos apenados, dos jovens-dependentes químicos, dos alcoólatras, dos que tem problemas psiquiátricos, das jovens que perderam a sua identidade, buscando a prostituição como forma de sobrevivência, dos menores abandonados que vivem nas ruas, praças e bares, pedindo restos de comida e dinheiro para comprarem drogas; dos moradores de rua que vivem com frio e com fome, enfim, de todos os não incluídos e dos excluídos, socialmente falando e dos que vivem em leitos de hospitais abandonados a sua própria sorte. Todos nós somos responsáveis.
Que Nossa Senhora dos Navegantes abençoe a nossa terra querida a vencer os obstáculos sociais e econômicos, para que todos tenham moradia, educação, saúde, lazer e, sobretudo, uma vida digna.
Para finalizar peço desculpas aos familiares que não ouviram os nomes de seus parentes marítimos, pois não sei o nome de todos, lembrei-me apenas dos que falei.
Palmas para nossa senhora dos navegantes. Palmas para todos os pais macauenses, marítimos e de todas as profissões quer estejam na terra quer estejam no céu.
CARO AMIGO CHAGUINHA DE PRETA, VENHO AQUI AGRADECER A VOCÊ POR TER ME DADO A ALEGRIA DE RECORDAR ESTA FESTA QUE VOCE RELATOU TÃO BEM. FIZ PARTE DESTA EPOCA, SOU FILHO DE UM MARÍTIMO DE MACAU ( FERNANDO DANTAS DA SILVA )ESTIVE EM MACAU A UNS DOIS ANOS ATRAS E SENTI FALTA DAS GRANDES BARCAÇAS A QUAL VOCÊ RELATOU. SAUDADES DESTA FESTA. SALVE NOSSA SENHORA DOS NAVEGANTES.
ResponderExcluirChaguinha de Preta,
ResponderExcluirTambém pertencí a essa epóca dos anos 70lvarengas a convite de João Morais e familia, observei a presença da religiosidade, os escoteiros, as bandeirantes e pessoas ligadas a irmandade da igreja. Recordo-me da renúncia ao Porto Ilha em que tanto se almejava Macau, e de repente, nada mais que de repente o exmo Sr. Deputado Federal Antonio Florencio atende a cidade de Areia Branca, dando a morte dessa cidaded salineira chamada MACAU, e pessoas que honraram o trabalho das salinas, das estivas, Matarazzo e alvarengueiros. Recordo-me ainda dos prédios dos sindicatos dessa modalidade, recordo-me aindas das pessoas, quase todas aqui relacionadas por voce.
Abraços a todos os Macauense, feliz encontros dos mesmos e também da festa das Motos, que também se realiza no vale do Assú em Outubro.
Allan Queiroz de Sena.
LENDO A MATÉRIA, COM TRISTEZA VEMOS QUE O PAIS EM DETERMIDAS COISAS NÃO PROSPEROU E POR MÉROS VOTOS GANHA OU PERDE COISAS MARCANTES PARA TODOS... Custódio Martins, neto de tripulante do navio mercante Francisco Matarazzo que o acompanhou desde sua construção na Holanda até seus momentos gloriosos como Salineiro..
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